sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Amigo

 
 Ao ler as histórias do apóstolo Paulo, suas experiências, sua forma ousada e destemida de pregar o evangelho ao cumprir aquilo que entendia ser sua missão nos sentimos inspirados, refletimos sobre a nossa maneira de servir a Deus no Reino e com a nossa vocação. Paulo foi um desbravador, chegou à lugares que os outros apóstolos não chegaram, suas viagens missionárias lhes geraram muitos frutos, igrejas plantadas em diversas cidades, muitas vidas alcançadas pelo conhecimento do evangelho através de suas pregações, certamente Paulo levava sobre sua carne as marcas dessas batalhas espirituais que o levaram a ser perseguido, apedrejado, açoitado, naufragando, dentre tantas outras situações adversas que somente ele poderia descrever (2Co 11.23-27). Paulo trazia em seu corpo as cicatrizes, as marcas de suas batalhas, mas tenho certeza que em seu coração também trazia a marca das almas, a alegria em se lembrar das pessoas que foram vencidas pelo amor de Deus revelado através do Evangelho e feito irresistível diante da ação do Espírito Santo.
 As histórias do apóstolo são inspiradoras, principalmente para os corações que queimam por missões e que amam anunciar o doce nome de Jesus, mas algumas coisas acabam sendo marcantes, impactantes e nos trazem um pouco da realidade dentro da missão, situações essas que devemos estar preparados para elas, “o abandono”.

 Abandonado no pior momento

 Dentre as tribulações do apóstolo Paulo está a prisão, as prisões de Paulo são divididas em dois estágios, um mais simples e um mais crítico, no primeiro momento Paulo fica preso em uma casa, escoltado por um soldado Romano, lugar este que o apóstolo recebia visitas e pregava, enviava cartas, por isso digo ser mais simples este primeiro momento de prisão, porém no segundo momento que eu chamo de crítico, o apóstolo é lançado em uma masmorra e dali ele caminha em direção ao seu martírio, a prisão nunca foi o maior problema de Paulo, este servo que esteve sempre acompanhado de varões valorosos, em nossos dias quem amante da obra e do Reino não gostaria de andar com este apóstolo? Mas neste último momento nos deparamos com uma realidade que toca o nosso coração, que nos traz pesar ao pensar neste apóstolo destemido, só que agora um senhor em uma situação difícil, este é o momento que Paulo de fato precisa de apoio, precisa sentir-se apoiado pelos valorosos homens que em algum momento da caminhada passaram a seguir-lhe, mas como dizem os jovens em nossos dias “só que não”.
 
“2  Tm 4.9-16 KJ
  Procura vir ao meu encontro o mais depressa possível
  Porquanto Demas, havendo amado mais o mundo secular, ME ABANDONOU e se foi para Tessalônica. Crescente foi para a Galácia, e Tito para a Dalmácia.
 Somente Lucas está comigo, Toma a Marcos e traze-o contigo, pois ele me é de grande auxílio para o ministério.
 Mandei Tíquico para Éfeso.
 Quando vieres, traze-me a capa que deixei em Trôade, na casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos.
 Alexandre, que trabalha com bronze, prejudicou-me severamente; o Senhor com certeza lhe retribuirá conforme as suas atitudes.
 Tenhas muita cautela com ele, pois se opôs fortemente às nossas palavras.
 Na minha primeira defesa, ninguém se fez presente para me ajudar, pelo contrário, TODOS ME DESAMPARARAM. Contudo, que isto não lhes seja imputado.

 Ao ler a segunda carta de Paulo a Timóteo eu percebo em alguns momentos a sensação do apóstolo diante desta batalha que acontece em seu exterior e no seu interior também, Paulo em outro momento já havia deixado claro o quanto a presença de seus amigos era importante:

“2 Co 7.5-6
 Pois, nem quando chegamos à Macedônia tivemos descanso; pelo contrário, em tudo fomos atribulados; externamente, lutas; internamente temores.
 Deus contudo, que consola os abatidos; CONSOLOU-NOS COM A CHEGADA DE TITO.”

 Paulo só nos faz reafirmar algo que Jesus ensinou, que no ministério precisamos uns dos outros e por isso Jesus enviou de dois em dois, Paulo revela a necessidade do coração de todos nós, a necessidade de ter ao nosso lado os companheiros que Deus nos deu, porém está sentindo fortemente esta sensação de abandono, chega a usar repetidamente o ser abandonado “por todos”.

 “2 Tm 1.15
 Todos os que estão na província da Ásia me abandonaram, até mesmo Fígelo e Hermógenes.”

 Paulo usa uma hipérbole (exagero) para falar sobre sua sensação de abandono, neste último capítulo de sua carta a Timóteo vemos a expressão em sua maior força, vemos os detalhes que justificam a ausência de alguns destes amigos, mas vemos também um relato meio que em forma de desabafo sobre o que levou um companheiro a deixá-lo no momento mais difícil.
 Ao dizer para Timóteo “vir depressa”, Paulo demonstra a urgência que ele tem da presença do seu “filho na fé”, então ele continua a sua descrição a respeito do que estava acontecendo, e claro, o que nos revela o porquê de ele pedir para que Timóteo se apresse. Paulo diz que Demas o abandonou, o abandonou porque “amou mais o mundo secular”.
 Segundo os estudiosos, esta carta escrita a Timóteo foi entre 66-67 dC, porém vamos encontrar um registro a respeito de Demas ao lado de Paulo alguns anos antes. Em Cl 4.14 Demas aparece junto à Lucas saudando a igreja de Colossos na carta que Paulo enviou, segundo os estudiosos a carta aos Colossensses foi escrita no ano 60 dC, isso nos mostra que Demas, este companheiro que o abandona no momento mais difícil amando mais o mundo secular, um dia esteve ao seu lado como um companheiro na missão.
 O que seria capaz de separar amigos na hora que mais se precisa daquela amizade?
 Jesus nos deixa um aprendizado muito grande sobre isso, pois não há como tomarmos pra nós a dor de sermos os únicos a serem abandonados pelos amigos no pior momento de nossas vidas. No mesmo dia que Jesus foi traído com um beijo por um dos seus principais seguidores, após ser humilhado, acusado injustamente, esbofeteado como se fosse um bandido, Jesus olha para Pedro, aquele que disse permanecer ao seu lado mesmo que todos o deixassem, ao olhar para Pedro Jesus o vê negando conhecer-lhe, jurando e se maldizendo por estarem o acusando de conhecer a Jesus, certamente de toda a vida humana de Jesus, aquele era o momento mais difícil, e nesta hora até quem disse ser fiel até a morte o trata como se não o conhecesse.
 Você já se sentiu abandonado por seus amigos no momento que você julgou ser o pior de sua vida? Por aquela pessoa que disse que estaria com você, mesmo que todos te deixassem? Pelo esposo ou esposa que fez votos de estar ao seu lado te amando e respeitando até a morte?
 Esta é uma palavra para trazer clareza ao seu entendimento, pois o apóstolo Paulo passou por isso, Jesus passou por isso, mas mesmo assim foram fiéis ao propósito de Deus na vida deles até o fim, a bíblia diz que Jesus olhou para Pedro na hora que ele o negava (Lc 22.51), Jesus também nos disse que deveríamos amar uns aos outros como Ele nos amou (Jo 15.12), ou seja, Jesus não deixou de amar aquele que o traiu com um beijo, Jesus não deixou de amar aquele que o negou diante de seus olhos e nos chama para amar dessa forma. Talvez você diga que isso é impossível, sim, era impossível ao homem até o dia em que o amor nos foi revelado em pessoa, nos deu a oportunidade de sermos transformados em NOVAS CRIATURAS, habita dentro de nós e dia após dia nos torna cada vez mais parecidos com Ele.
 Precisamos entender uma coisa sobre o amor, algo que talvez nos faça lidar com essas questões de forma que agrade a Deus. Precisamos entender sobre a nossa dívida diária que temos de amar ao próximo.

 “Rm 13.8
 A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a não ser o amor fraterno, com que deveis amar uns aos outros, pois aquele que ama a seu próximo tem cumprido a Lei.”    

 No nosso caso, diante de uma traição ou do abandono sentimos que temos cobranças a fazer e não dívidas a serem pagas, essa é uma mentalidade simplista humanista, mas após a renovação da nossa mente (Rm 12), ao nos tornarmos novas criaturas com o novo nascimento (Jo 3) e nos tornarmos semelhantes a Cristo pelo conhecimento das Escrituras, somos levados a viver na contramão do mundo, reagindo semelhante a Cristo e não ao homem caído. Nesta nova maneira de viver perdemos as características da cultura terrena que nos leva a buscar a nossa felicidade própria, entendemos agora que minha felicidade não poderia ser completa se ela trouxesse prejuízos na vida de outros, por exemplo, nao há sucesso ou felicidade ou ministerim abençoado quando este deixa a família dilacerada, sozinha, desprotegida, a traição do outro não vai justificar eu deixar meu lugar, o abandono do outro não pode me fazer desistir do meu ministério. E quando falo isso a nivel familiar, entendo que a familia e o nosso primeiro e maior ministério, talvez eu ganhe muitos com minhas pregações, mas só conseguirei ganhar minha família se pregar além de palavras, preciso investir nela um amor palpável e não apenas audível.
 Ao olhar para este texto de 2 Tm 4, penso sobre os diversos motivos que nos afastariam de nossos amigos em um momento que eles mais precisam de nós, por exemplo com o apóstolo, Tiquíco foi “enviado” por ele, ou seja, Paulo viu como maior necessidade o cuidado da igreja de Éfeso e não propriamente o seu, a necessidade de outras pessoas podem nos afastar “geograficamente” de outras, temos o caso de Tito, companheiro de Paulo e já citado neste texto, sua companhia era muito apreciada por Paulo e apesar de não estar bem explicado o porquê de ir para a Dalmácia (Albânia), os estudiosos dizem que seu trabalho foi extremamente significativo para a expansão do evangelho em algumas áreas, áreas até mesmo que o próprio Paulo não havia alcançado. Isso nos faz entender um ponto importante de toda a dificuldade de Paulo referente a sensação de abandono, mesmo sentindo essa necessidade, não abria mão do cuidado com as igrejas fundadas e também não abria mão da expansão do Reino, sua necessidade pessoal não estava acima da causa do Reino.
 Em meio aos “abandonos” precisamos entender que existem pessoas que não estão perto, mas que elas têm motivos justificáveis para isso, e se nós não amarmos a causa que Jesus nos confiou, seremos egoístas a tal ponto de prender alguém ao nosso lado por um tempo, quando esta pessoa poderia estar em algum lugar mudando a eternidade de diversas outras que estão destinadas ao inferno. Um dia Paulo disse aos irmãos para que não o magoassem ao chorar para que não fosse a Jerusalém, sabendo que ele sofreria, disse que estava ciente e disposto não só a sofrer, mas a morrer pela causa, agora não seria diferente, seu sofrimento não estaria em primeiro lugar, como muitos dizem “sofra eu, mas não a obra”.
 

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